quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Oração ao tempo


      És um senhor tão bonito, pelo menos é o que dizem por aí. Mas eu demorei pra perceber essa beleza toda. Porque é belo o modo como você molda as coisas. Posso chamá-lo de você, não? Então, há algo de divino no seu agir silencioso em fazer crescer como mágica, frutos e filhos, e em aproximar metas e sonhos. Mas há algo de diabólico no seu jeito de destruir, apodrecer, dar fim à tudo que existe em cima da Terra.

      Tempo, tempo, tempo, tempo...
   
      Confesso que nunca entrei num acordo contigo. Em criança, quis te acelerar pra ser alguém, fazer coisas de gente grande. E aproveitei menos do que devia aqueles anos que hoje me fazem falta. E de repente a vida me pegou de surpresa e eu, que sempre quis ser um homem feito me vi querendo te fazer voltar atrás, virar criança de novo. Virei um saudosista. Hoje estou aqui pra fazer as pazes contigo, porque sempre é tempo.

      Tempo, tempo, tempo, tempo...

      Queria te pedir a mágica de uma vez ou outra, de quando em vez poder encarar o que já foi vivido. Sem mágoas, sem dor, sem aquela nostalgia que se prende aos nossos pés e não nos deixa caminhar. Apenas me sentar com os outros que eu já fui e ser mais generoso com eles. Ver que as feridas já se tornaram cicatrizes e que o que passou, se alegre ou triste, me fez bem, me fez forte.
   
      Tempo, tempo, tempo, tempo...
 
     Quero te pedir também a possibilidade de sonhar, além do que meus limites insistam em proibir. De antever um futuro com possibilidades infinitas, de ser alguém melhor em áreas para além de sucesso e dinheiro. Mas te peço, ó Tempo, que não me deixe perdê-lo em meus devaneios, que eu não me frustre com o que é real e que eu saiba retirar um lado bom do que você puder me trazer. Ah, e se possível, ao me mandar sinais, uma vez que eu sou bem ruim pra decifrar subentendidos, seja um pouco mais claro. Mas se for pedir demais, tudo bem, seu saberei lidar com eventuais enganos de tempo.

      Tempo, tempo, tempo, tempo...

      E por fim, eu queria muito pedir pra estar o máximo possível voltado ao que eu me dedique a fazer, pra não sentir que você passa mais rápido ou mais devagar que deveria . Que cada dia traga a mágica do inesperado e que eu não perca a capacidade de me surpreender com a beleza das coisas rotineiras. Que essa dádiva chamada agora seja sempre que possível prazerosa e interessante. E quando não for, que eu mão me entregue à inércia e ao tédio. Que eu aja mais por força da minha vontade que pelo peso da obrigação. E que eu  pare pra descansar de vez em quando, mas que seja por prazer e não por preguiça. Que eu aprenda a aproveitá-lo.

      Tempo, tempo, tempo, tempo...
 
    Compositor de destinos, que não para, que não volta atrás, que cura tudo, que é dinheiro, que é o senhor da razão. Não sei se tenho fé, mas tenho alma e ela pede um reencontro contigo. Isso é o mais perto que eu já cheguei de uma prece e não sei se pode me escutar, ou me atender. E sei também que tudo isso que eu te peço, sou eu que tenho que fazer por mim mesmo. Com o tempo, tudo se resolverá. Esse é enfim o feitiço do tempo.

      Tempo, tempo, tempo, tempo...




quarta-feira, 5 de outubro de 2011

A calcinha da Gisele


Você viu, eu vi, a esta altura não é novidade pra ninguém o comercial da Hope, empresa de lingerie, onde Gisele Bündchen ensina às mulheres que ao dar más notícias aos homens é melhor estar sumariamente vestida. Primeiro mostra a linda de roupas comuns dizendo coisas como “bati seu carro”, “estourei o cartão de crédito” e depois, trajando calcinha e sutiã da marca repete o mesmo, mas com outo efeito. No final, em off, o slogan: “Brasileira, use seu charme”.  Eu achei engraçadinho.  Devem acontecer situações parecidas na casa de todo mundo.

É provocante, é divertido, é banal como quase todo comercial.

Mas os órgãos federais de direitos das mulheres, ligados à presidente Dilma não acham isso: depois de algumas reclamações, tentaram tirar a übermodel do ar, alegando que a mensagem “é ofensiva às mulheres brasileiras, que não podem mais serem tratadas como meros objetos”. A Hope foi notificada, o Conar, criticado, e sobrou até pra Gisele que foi chamada pelas feministas de todo tipo de nome. Mas qual é o problema de botar uma moça bonita com uma calcinha bonita fazendo graça com o magnetismo que seu corpo provoca na marmanjada?

É que o mundo anda se levando a sério demais. Mulher de bunda de fora pode vender cerveja, mas calcinha não pode? Ou o problema é Gisele estar aparecer seduzindo seu marido (e o das outras, diga-se) em trajes mínimos? As mulheres fizeram por merecer os lugares que conquistaram, e não conseguiram ainda boa parte do que seria ideal numa sociedade regida pelos direitos iguais. Mas esta patrulha politicamente correta, esse feminismo que não ri, que vê ofensa onde não tem, joga mais contra que a favor. E isso acaba deixando o mundo mais sem graça. Mulheres são mais bem acabadas e interessantes que os homens, mais inteligentes, melhores chefes. Estão virando o jogo, taí a Dilma que não me deixa mentir.

Mas estão ficando muito chatas, pronto, falei, tô leve!

Estão se esquecendo de que tem o direito de serem bonitas; que podem ser fortes e femininas; que podem relaxar e brincar de casinha de vez em quando; que usar um lingerie bonito não arranca pedaço de ninguém.  Os homens, esses sim tratados no comercial como bobos que perdem a cabeça por qualquer tantinho de pele á mostra, não estão reclamando. Mulheres, vão por mim, o mundo evoluiu muito, vocês estão mais poderosas. Mas no quarto não mudou nada, o poder sempre foi de vocês. Usem seu charme, simples assim.

Recentemente, uma revista americana publicou uma lista com as mulheres mais poderosas do planeta. Apenas duas brasileiras entraram na lista. Uma foi a presidente Dilma, tentando por ordem na bagunça política, mostrando com personalidade, ser mais que a sombra do mentor Lula. E sabe quem é a outra brasileira na lista? Ela mesma, linda, loura e rica, Gisele Bündchen, a moça da calcinha Hope. 

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Delicadeza, essa sumida!



    Não sou um grande fã de luta. Tirando boxe, eu nunca sei qual modalidade é qual. Vale tudo pra mim sempre foi uma novela e até esses dias, UFC era tão somente a Universidade Federal do Ceará. Mas nem se eu estivesse no meio do Atacama, sem contato com a civilização eu deixaria de saber quem é Anderson Siva, o campeão mundial (perdoem minha ignorância, mas o título é mundial, não?) da modalidade. O rapaz está em todas.

    Pois bem, apesar de não ter visto o tal chute que nocauteou o Viltor Belfort, soube que foi um golpe e tanto, que a luta foi o embate do século e essas coisas todas que a imprensa fala sobre campeões. Mas por que falar sobre um atleta cujo esporte não me é caro? Ora, porque apesar de ser pago pra dar pesadas e joelhadas no octógono, as entrevistas  dele na TV mostram que o homem é um poço de delicadeza. E não, não é da voz dele que estou falando. A fama repentina, aliada à natureza da luta-livre poderiam torná-lo um bad boy, orbitado por bebedeiras, namoradas descartáveis e brigas em boates. Mas Anderson Silva não vai a boates. Fora do mundo do UFC, é um pai de família que se diverte jogando video-game com os filhos e chama a mulher de namorada. Um fofo.

   De música brasileira eu entendo um pouco e gosto muito. E tiete que sou da Marisa Monte, fiquei surpreso e feliz com o clipe de Ainda Bem, em que a cantora troca uns passos de dança com ninguém menos que Anderson Silva. O Spiderman, com aquele tamanho, com aquela cara de quem vai dar uma pesada no nariz de alguém, dança. E dança bem, o danado. Sobre o clipe, a cantora disse: "Fiquei fascinada pelo fato dele ser The Champion e ter dança nos pés e os contrastes que isso sugere: força e delicadeza, peso e leveza". Taí, Marisa disse tudo, onde há força pode haver delicadeza. E com isso eu não estou pregando a falta de virilidade, pelo amor! Mas a delicadeza anda cada vez mais em extinção, num mundo onde todo mundo tem de se posicionar pra garantir o seu espaço, onde é preciso gritar para ser visto e onde confundem firmeza com falta de educação.

    Não condeno a objetividade, a personalidade forte, a impulsividade, todas essas qualidades, mas acho que a delicadeza, essa sumida, precisa ser resgatada em pequenos gestos, como um olhar, um elogio, um pedido de desculpas. E porque não, uns passos de dança de vez em quando?


segunda-feira, 26 de setembro de 2011

E quando a foto não sai bonita?



Recentemente eu li o livro Um dia, romance inglês de David Nicholls. Na verdade eu só me interessei porque foi recomendado pelo Nick Hornby e pelo Tony Parsons, dois dos meus autores preferidos, ambos ingleses. Pois eles estavam certos, o livro é delicioso, daqueles que a gente devora sem ver, e eu recomendo não só o livro  como também o filme que chega por aqui em novembro. A história é belíssima, sobre os desencontros de um casal ao longo de duas décadas e como o tempo muda essas pessoas. Mas o que me ligou ao livro foi uma frase. A certa altura, o narrador diz sobre o imaturo Dexter Morley: "ele queria viver a vida de tal modo que, se fosse fotografado ao acaso, a foto saísse bonita". Fiquei intrigado.

Sair bonito na foto é a glória de gente que quer aprovação. Gente que quer ser amado, causar uma boa impressão. Gente que quer sair na revista, de quem é flagrada "sem querer" de biquíni no Arpoador. Mas e quando a foto não sai bonita? Porque ninguém consegue ser a bailarina, daquela cantiga do Chico Buarque, que não tem pereba, nem lombriga, nem dente com comida, nem goteira no meio da cozinha... Resumindo, com exceção da bailarina, todo mundo tem aqueles momentos "zero glamour" em que nem posando dá uma foto decente.

A vida não é um comercial de refrigerante, onde tudo é glamouroso, as pessoas são bonitas com uma pele incrivelmente sedosa. No dia-a-dia tem fila de banco interminável, onde a gente pragueja internamente a cada velhinho que aparece pra furar a fila. Tem aquela fechada no trânsito, que te obriga a falar aquele palavrão a trocentos decibéis. Aquela pisada no cocô do cachorro na calçada. Aquele calor infernal que rende uma pizza em baixo do braço. A moeda que cai em baixo do balcão, a bebida derramada na camisa branca. Isso dá uma foto boa?

Depois de muito matutar, eu, que nunca saio bem na foto, cheguei a uma conclusão: a foto só sai bonita quando se olha bonito pra ela. Simplista? Nem tanto. Todo mundo aí morre de dar risada ao ver fotos antigas, não? As roupas cafonas, os cabelos pavorosos as situações constrangedoras... Mas ao rever parece que a gente desculpa aquelas pessoas das fotos, que eram tão jovens, nem eram tão gordas assim, olha esses sorrisos, tão puros.

Eu definitivamente nunca vou sair bem na foto, nem se eu posasse pra Anne Leibovitz. Me sinto desconfortável, sempre fecho o olho na hora, um desastre. Mas eu decidi ser mais condescendente comigo. Uma foto é só um instante, sem antes, sem depois. Se alguém achar que nesse mísero segundo eu pareço alguém legar, ok, se me achar um monstrinho saído de um clipe da Gaga, paciência. Eu quero viver a vida de modo que se for fotografado ao acaso, não saia no Ego. O resto é lucro.